Angra Jazz 2021
(Textos de Paulo Barbosa e Leonel Santos)
Leonel Santos De há muito que o Angrajazz se guindou ao patamar dos grandes festivais de Jazz nacionais, rompendo com a insularidade, muito por uma produção competente, mas principalmente pela programação criteriosa. Adiado um ano devido à pandemia, o Angra Jazz logrou, ainda assim, manter o forte da programação. Os grandes momentos estiveram no inesquecível concerto de Bill Frisell, mas também em Anat Cohen, em Jeffery Davis e na juventude da Orquestra Angrajazz. Orquestra AngraJazz c/ Zé Eduardo Vincent Meissner Trio Jeffery Davis Quinteto
Bill Frisell Trio Anat Cohen Tentet Mas o Angrajazz continua, com a orquestra AngraJazz, com a promessa da celebração em Abril do Dia Mundial do Jazz como objectivo próximo e um grande festival em Outubro. (JazzLogical esteve no XX AngraJazz a convite do festival)
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Paulo Barbosa É claro que os festivais de música vivem da música que nos apresentam, mas há festivais que, por mérito próprio, conseguiram adquirir uma vida que vai para além da música. E o AngraJazz é um desses festivais, se não, por excelência, esse festival. Conseguir realizar o AngraJazz num período tão difícil, embora com óbvios aligeiramentos nos meses mais recentes, com público a ouvir, a ver e a aplaudir, ao vivo e em pessoa, os músicos é obra, é a reconstrução de um sonho para os músicos, para o público e para a organização. Tocando arranjos de Zé Eduardo, contrabaixista e pedagogo maior do jazz nacional, para uma série de temas célebres de Cole Porter, coube à Orquestra AngraJazz, como de costume, e sob a direção dos maestros titulares Pedro Moreira e Claus Nymark, a abertura do festival. Se as intervenções do próprio Zé Eduardo e a inclusão de alguns solistas convidados, bem como da cantora Joana Pacheco, vieram conferir interesse adicional a esta apresentação, a orquestra deu novamente provas de se manter no trilho certo para a maturidade interpretativa que se quer de uma formação desta natureza. Particularmente emocionante foi ver uma secção de trompetes recheada de jovens músicos, cheios de entusiasmo por esta música e com um nível de competência francamente louvável para a sua tenra idade – mais uma indicação e uma importante nota de esperança de que a Orquestra AngraJazz tem um belo futuro pela frente e se tem tornado cada vez mais merecedora da confiança e do investimento feito ao longo de duas décadas pela associação a quem roubou o seu nome. Menos interessante – e menos interessante do que qualquer outro concerto desta edição do festival – foi a atuação do trio do pianista alemão Vincent Meissner que se seguiu à da orquestra. Trata-se de três jovens com competências técnicas inquestionáveis, mas nem tanto enquanto músicos de jazz. Na verdade, senti-me perante mais um trio que caiu vítima do desgaste da fórmula apurada pelo EST do pianista Esbjorn Svensson, por via de um seguidismo inócuo e estéril por parte de um número sem fim de trios de piano europeus. Mesmo quando se aproximavam um pouco mais de outros trios, como os The Bad Plus ou o de Vijay Iyer, os resultados deixaram sempre muito a desejar quando comparados com os daquelas supostas fontes. Posto isto, não foi difícil que o grande concerto de jazz europeu nesta edição do AngraJazz tivesse estado a cargo do quinteto português liderado pelo vibrafonista Jeffery Davis. Com Zé Soares no sax alto, Óscar Graça no piano, Francisco Brito no contrabaixo e Marcos Cavaleiro na bateria, Davis ofereceu-nos um concerto cuja nota alta ficou a dever-se tanto à qualidade dos originais apresentados como à da coesão do grupo como um todo, como também – e porventura mais ainda – à dos excelentes contributos de todas as suas partes enquanto intérpretes e improvisadores. Uma mostra bem ilustrativa da elevada qualidade e do bom estado de saúde do jazz nacional. Em certa medida, a segunda noite do AngraJazz manteve-se em alta com a entrada em palco do quarteto do saxofonista Don Braden, com a pianista Miki Hayama, o contrabaixista Kenny Davis e o baterista Vince Ector. Fazendo arrancar o concerto com dois temas instrumentais (uma versão de “Don’t You Worry About A Thing”, de Stevie Wonder, e um original de Braden dedicado ao saxofonista Eddie Harris), o quarteto recordou-nos da verdade incontornável de que o jazz americano tem outro “punch”, outra energia e outro swing. Mas, embora em termos puramente instrumentais, os quatro músicos tenham continuado a fascinar até ao final do concerto, a fasquia desceu apreciavelmente com a entrada em palco de Trineice Robinson, uma cantora mais claramente enraizada na tradição da igreja e do gospel do que na do jazz – daí que o ponto alto da sua performance tenha sido, sem dúvida, o da leitura do clássico “Come Sunday”, de Duke Ellington. A abrir o último dia de concertos, o novo trio de Bill Frisell presenteou-nos com um concerto para além do sublime! Frisell é um dos mais originais guitarristas das últimas quatro décadas, sendo a formação em trio, com o baixista Tony Scherr e o baterista Kenny Wollensen, uma das vias pelas quais mais tem marcado o jazz contemporâneo. Se este novo trio, com o contrabaixista Thomas Morgan e o baterista Rudy Royston, com o qual Frisell se apresentou no AngraJazz, é já responsável por um dos mais interessantes discos trazidos a público este ano, o concerto a que ali pudemos assistir conseguiu ser ainda mais impressionante. Frisell é um tecelão de sons (muito imitados, mas impossíveis de imitar) que se caracterizam por linhas melódicas de grande beleza e de contornos perfeitos, uma fascinante subtileza harmónica e uma manipulação inigualável dos pedais de efeitos e de loops. Sem conversas nem distrações pelo meio, a música tocada pelo trio foi, invariavelmente, do mais elevado calibre, numa sequência cuja coerência seria difícil de expressar por palavras. O concerto foi uma espécie de viagem ilustrada ao fantástico mundo da música, uma justificação cabal para que a música exista. Após um concerto como o de Frisell, qualquer outro teria de ser sentido como uma espécie de anti-clímax. No entanto, a clarinetista Anat Cohen não teve grandes dificuldades em aquecer a sala, fechando o AngraJazz deste ano com uma nota francamente positiva. A música em si teve momentos mais altos do que outros, mas o público rendeu-se à energia e ao elevado nível interpretativo do decateto e, acima de tudo, a Anat Cohen, dotada de uma técnica irrepreensível e de um dos mais impressionantes sons de clarinete de toda a história do jazz. O AngraJazz fechou, portanto, em alta e – livre-se o Covid de nos pregar mais partidas desagradáveis – para o ano há mais! (Paulo Barbosa esteve no Angra Jazz a convite do festival) |
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Sex 1 Out | Angra do Heroísmo | Centro Cultural de Angra do Heroísmo | 21.30 | Orquestra Angrajazz «130.º Aniversário do nascimento de Cole Porter» |
Pedro Moreira (dir), Claus Nymark (dir), Zé Eduardo (arranjos, dir, ctb), Joana Pacheco (voz), Filipe Gil (sa), Rui Borba (sa), Rui Melo (st), Mauro Lourenço (st), Leonor Machado (st), André Nunes (t), Guilherme Sousa (t), Tomás Reis (t), Érica Ferreira (t), Vasco Gorgita (t), Rodrigo Lucas (trb), Manuel Almeida (trb), Afonso Almeida (trb), Simão Pereira (trb), Gonçalo Ormonde (trom), Antonella Barletta (p), Paulo Cunha (ctb), Nuno Pinheiro (bat) |
Vincent Meissner Trio | Vincent Meissner (p), Henri Reichmann (ctb), Josef Zeimetz (bat) | ||||
Sáb 2 | Angra do Heroísmo | Centro Cultural de Angra do Heroísmo | 21.30 | Jeffery Davis Quinteto | Jeffery Davis (vib), José Soares (sa), Óscar Marcelino da Graça (p), Francisco Brito (ctb), Marcos Cavaleiro (bat) |
Trineice Robinson com Don Braden Quartet | Trineice Robinson (voz), Don Braden (st), Miki Hayama (p) Kenny Davis (ctb), Vince Ector (bat) | ||||
Seg 4 | Angra do Heroísmo | Centro Cultural de Angra do Heroísmo | 21.30 | Bill Frisell Trio | Bill Frisell (g), Thomas Morgan (ctb), Rudy Royston (bat) |
Anat Cohen Tentet | Anat Cohen (cl), Oded Lev Ari (dir), Vitor Gonçalves (p, ac), Sheryl Bailey (g-el), Tal Mashiach (ctb), Christopher Hoffman (celo), Nadje Noordhius (t, flis), Nick Finzer (trb), Owen Broder (sb), James Shipp (vib, per), Anthony Pinciotti (bat) |